📜 A Paulistanização do brincar
Uma crônica sobre como eu continuo achando estranho certos costumes, mesmo depois de 13 anos vivendo na capital paulistana.
Nunca fui um exemplo da tal malemolência carioca. Quando vim morar em São Paulo, me diziam que na minha terra se saia cedo do trabalho para ir à praia. Durante todos os anos que lá morei nunca conheci ninguém que tivesse tal vida boa. Talvez seja a vida retratada nas novelas, que se passa em um bairro chamado Leblon que só existe no imaginário do Manoel Carlos.
Quando me mudei para a Terra da Garoa me perguntaram se a adaptação havia sido fácil. Bom, minha rotina na nova cidade consistia em acordar cedo todos os dias, pegar o ônibus, ir para o trabalho e voltar para casa tarde da noite. Do mesmo jeito que os paulistanos fazem. Do mesmo jeito que eu e meus amigos fazíamos no Rio.
Apesar da semelhança, o olhar de forasteira me permitia perceber o que talvez seja a causa desse mau julgamento dado aos cariocas. A rotina, o esforço e a necessidade de se trabalhar muito é uma realidade para a maioria dos brasileiros, não há diferença aqui. O que muda em essepê é o orgulho que se tem em ser profissional. Um orgulho que obriga as pessoas a terem um nome e um cargo.
Lembra quando antigamente a pessoa era “filha de fulano”? Aqui você é “Maria, da empresa tal”, mesmo que você esteja apenas entre amigos. O crachá é, ao mesmo tempo, um fardo e uma medalha, com peso de ouro. Mostra quem deu certo, quem pertence.
Só que esse lance, por vezes, é exagerado.
Rola uma ostentação de ser assim. A tal locomotiva do país curte essa coisa de que tudo é melhor aqui, mas gente, isso tem limite. E para mim esse limite é completamente ultrapassado quando se tenta profissionalizar o brincar.
Tenho uma amiga, carioca, que veio passar alguns dias em São Paulo com sua filha de um ano. Como estava frio, desistimos de ir a um parque e buscamos os tais Espaços de Brincar.
Se você não sabe o que o termo significa, eu explico. São Paulo é cheia de Espaços de Brincar, locais preparados e aparelhados para as crianças se divertirem com segurança e muitos estímulos coloridos e sensoriais. Os conhecidos brinquedos, da nossa época. Como aqui também somos regidos pelo dinheiro, esses espaços cobram pelo tempo que a criança fica lá dentro. E às vezes cobram por adulto também, mesmo que não haja diversão para você, apenas o papel de garantir que a criança se mantenha viva.
Optamos por um Espaço de Brincar gratuito (sim, existem!), que fica no SESC da Avenida Paulista. Apesar de ser uma região empresarial, vejo a Paulista como um lugar de todas as tribos, com coisas diferentes acontecendo tanto de dia quanto de noite. Trabalho e entretenimento 24h por dia, mas voltemos ao SESC.
Durante minhas buscas, descobri que a utilização do espaço estava condicionada a um agendamento, por meio de um aplicativo. Nunca ouvi falar de criança seguindo uma agenda para brincar, mas como não tenho filhos para saber, lá fui eu baixar o aplicativo.
O horário das 10h da manhã estava lotado. A próxima opção era às 12h. Porque, veja, o agendamento te dá direito a usar o local por 1h30. Fiquei imaginando explicar essa regra para a criança “Você tem que brincar só por esse tanto de tempo e nem pense numa troca de fraldas antes de entrar porque se atrasar 20 minutos não entra mais”.
Dez minutos antes do nosso horário chegamos a um imponente prédio espelhado. Na minha cabeça, Espaços de Brincar deveriam ter uma atmosfera convidativa. Nada, absolutamente nada naquela recepção me remetia a brincar, aprender ou socializar. Até procurei a recepção para dar minha identidade e receber o crachá de visitante – aquele procedimento padrão em edifícios comerciais.
Fui informada que esse procedimento não era necessário (ufa!) e fomos conduzidas para os elevadores, onde uma funcionária perguntou aonde iríamos. Sei que a intenção era gentil, mas me soou um tanto inquisidor. Na sequência, a pergunta: “Tem agendamento?”. Mostrei o celular. Ufa. Ela então chamou o elevador e apertou o terceiro andar para nós.
Observação: essa experiência estava muito longe do que eu imaginava proporcionar para minha amiga e sua filha, mas agora iríamos com o agendamento até o fim.
Eu não vou explorar o fato que no andar do Espaço de Brincar (que ainda estava fechado), não havia banheiro disponível, somente um hall de elevadores, então tivemos que descobrir o andar da biblioteca para trocar a fralda da pequena - movimentação essa que eu não sei se estávamos autorizadas a fazer dentro do prédio, mas ainda assim foi feito.
Meio-dia. Chegou a momento. Estivesse a mocinha com vontade ou não de brincar, agora era a hora. Munidas com nossos QR Codes nos foi permitida a entrada no reino do brincar. Não antes sem recebermos muitas orientações: onde deixar o carrinho, os sapatos, a máscara, como usar os bebedouros, o espaço para alimentação e banheiro.
Enfim, liberdade para a criança correr pelo tapete felpudo, subir e descer os degraus de um brinquedo de madeira inúmeras vezes e brincar de “achô!” em panos transparentes presos no teto.
Ainda não entendi bem em que ponto passamos a construir altas torres para alcançar o que está na altura do chão.
Faltando dez minutos para o término, uma pessoa foi de responsável em responsável anunciando o fim do período e pedindo que tudo da criança estivesse organizado até o horário final. Não sei como, depois disso tudo, ainda me surpreendi com essa solicitação. Seguimos o protocolo e às 13h30 já estávamos novamente na recepção do prédio espelhado, prontas para buscar nessa selva de pedra um brincar mais acolhedor, menos burocrático e, me perdoem os paulistas, mas menos paulistanizado.
Afinal, não é preciso ter filhos para saber que nenhuma criança encerra seu dia de brincadeiras às 13h30, não é mesmo?
💭No que eu estou pensando…
É uma delícia quando a gente ultrapassa a linha da vergonha de sentir as emoções ditas negativas e conseguimos assumir quando sentimos inveja, derrota, fraqueza, vergonha. A partir desse ponto é só acolhimento e verdade com você mesmo.
🇩🇰📷Enquanto isso no Reino da Dinamarca
A galera resolveu proteger e tematizar os bebezinhos dessa estátua que fica perto dos Lagos no centro de Copenhague. O lance é que tem outra estátua igual do outro lado e somente essa recebeu os chapeuzinhos. O Natal aqui é coisa séria, gente.
E não tem só estátua enfeitada.
Aqui, diferente do Brasil, ainda tem McFish.
Fiquem com essa inveja por hoje.
Mas nem tudo é fácil aqui e eu tô aprendendo que esse negócio e estações do ano e de solstícios importam e muito. Quando chegamos haviam os Mercados de Natal:
É importante deixar claro que está escrito em letras garrafais, em inglês, MERCADO DE NATAL. Guardem essa informação.
Nessa semana que antecede o Natal, o Bonitão e eu resolvemos que iríamos ao Mercado DE NATAL para comer pela última vez algumas coisas que adoramos, como a Lumumba e o sanduíche de linguiça:
Porém, contudo, entretanto, todavia…na quarta-feira, quando saímos para jantar, percebemos que o Mercado DE NATAL estava fechado. Haviam caminhões no meio das casinhas e percebemos que ele simplesmente ACABOU.
Pelo que entendemos o mercado DE NATAL termina no dia do Solstício de Inverno.
Que é 3 dias antes do Natal 😐
Por hoje é isso, Sunshines. Se vierem para a Dinamarca em dezembro, aproveitem os mercados antes do solstício. O Natal é só marketing para usar coisas temáticas.
Té mais!
"O crachá é, ao mesmo tempo, um fardo e uma medalha, com peso de ouro." Muito surreal isso, começei a pensar aqui e percebi que isso se reflete claramente nos nomes da agenda do celular. 😮