😶🌫️ Por que é tão difícil bancar nossa intuição?
As consequências de deixar aquela vozinha interior de lado e um desabafo sobre o complexo mundo dos mercados na Dinamarca.
Essa semana eu comecei uma crônica sobre pão e pessoas reunidas. Comecei outra sobre música. E no final decidi ir por outro caminho, porque preciso dar um mínimo de voz para minha intuição e talvez esse seja o texto que essa semana precisa.
Ontem eu tive um dia complicado.
Além de muitas atividades, o aquecedor da casa quebrou, fui visitar um bairro com potencial para ser nosso lar e descobri que seria um pesadelo para a Cipolla, nossa cachorra. Tive aula de dinamarquês, o que sempre dá umas chacoalhadas no cérebro, às 23h teria assembleia de condomínio do nosso prédio no Brasil e eu ainda tinha uma reunião às 17h30.
A reunião.
Contexto: durante as eleições do novo Conselho do coral que ingressei aqui em Copenhague, eu me voluntariei para ser substituta. Não seria sensato buscar uma posição no Conselho agora, mas meu plano era ajudar quando houvesse necessidade. Há um evento grande do coral chegando em três semanas e disseram que toda ajuda seria bem-vinda. Nesse dia nos comunicaram da reunião de passagem do antigo para o novo Conselho, onde todos, inclusive substitutos, eram convidados.
Eu fiquei a semana INTEIRA arrependida de ter me voluntariado.
Apesar de não ser um papel oficial, eu não queria ser como aqueles substitutos que se prontificam e depois somem. Me disseram que é isso que geralmente acontece, mas tenho convicções muito fortes de que missão dada é missão cumprida. Eu jamais teria essa postura. Meu embate pessoal era não querer um papel que eu mesma me voluntariei e que, segundo meu compasso moral, eu não poderia desistir.
Enfim, chegou o dia da reunião e a coisa já começou errada no caminho: minha garrafa de água vazou e molhou tudo o que estava dentro, a mochila e o meu casaco.
Pensei: “Ficou agourando tanto a reunião que deu nisso, né?”
Chegando lá, eu não sabia em que sala seria, então fui para o local onde costumamos ensaiar, mas estava vazio. Me questionei se eu tinha ouvido o dia e o horário corretos e aguardei alguns minutos.
Mas vocês lembram que missão dada é missão cumprida, né?
Entrei no grupo do Facebook do coral - tudo aqui é Facebook, como os Incas faziam -, busquei o nome de um membro do Conselho que eu já tinha conversado, baixei a porcaria do aplicativo do Messenger só para mandar uma mensagem perguntando se era naquele dia mesmo a tal reunião.
Assim que baixei o aplicativo, apareceu uma solicitação de mensagem. A presidente do Conselho, a que estava saindo, havia enviado uma mensagem com o dia, a hora e o local da reunião. Nessa altura já havia passado meia-hora do horário, mas eu reuni minhas tralhas molhadas e fui atrás do lugar.
Acho que nesse ponto da história você já deve ter percebido que alguma coisa maior me dizia para não ir, não é?
Cheguei na sala. Todos sentados com seus computadores, em meio a uma conversa séria de contatos, despesas, calendários, etc. Entrei sem graça, pedi desculpas e me sentei em um canto, porque, vejam, como substituta eu não tenho função. Eu não faço parte oficial do conselho, mas na minha cabeça, se é para ajudar, que seja pelo menos para comparecer, né?
Erro.
Foi uma coisa super esquisita. Eu fiquei a reunião toda como uma observadora deslocada, que não tinha razão para estar ali. Me arrependi por cada segundo. Me senti fazendo papel de boba ou de alguém que não tinha entendido o seu papel.
Isso me lembra que mudar de país faz você muitas vezes viver esse lugar de ignorância, não é fácil.
No final da reunião, eu puxei a nova presidente do Conselho e falei que queria ajudar, mas também não queria ser uma participante estranha nas reuniões e que não iria mais. Ela, muito ocupada por ser presidente-do-conselho-de-um-coral, concordou, reforçou umas 3x que eu não era parte oficial do Conselho e saiu correndo para seus afazeres.
Voltei para casa depois do ensaio com uma sensação terrível de derrota social e por acaso caí no Instagram no trecho de um vídeo que parecia estar falando comigo - o link abaixo já está no ponto certo, de 3:40 até 4:40:
Vou colocar a transcrição do que ela fala aqui, mas já aviso que ouvindo a JoutJout falar o tapa é mais forte:
- Se você não sabe o que você está fazendo ali, PARA.
- Sai dali.
- “Eu não sei o que estou fazendo aqui nesse lugar sai...”
- Sai desse lugar!
- Se você tem o privilégio de poder sair desse lugar que você não sabe o que está fazendo ali, SAIA IMEDIATAMENTE.
- A gente quer direcionamento, a gente não quer saber ir.
- Por exemplo, a gente faz um mapa astral: “ah o que eu tenho que fazer a respeito da minha vida? O que que eu faço? Em qual direção eu devo investir?”
- A gente quer direcionamento, alguém que decida por nós, porque a gente não se sente preparado pra ouvir a gente, os nossos desejos mais profundos.
- A gente não aprende a ouvir a intuição, a gente acha que intuição é tipo “ah, é emocional...dane-se”.
- Tudo o que é relativo à intuição a gente acha que é emocional e no emocional a gente não pode confiar porque quando a gente se leva pelo emocional a gente sofre.
- E tão aí as pessoas seguindo a razão há anos e estão sofrendo também.
- Todo mundo se ferrando independente se está seguindo o emocional ou a razão, por que seguir a razão, o que é racional, não é garantia de sucesso, tá?
Eu passei uma semana inteira atormentada porque não queria ir à reunião.
Minha intuição BERRAVA para não ir.
E no final o que eu fiz? Eu fui.
E foi péssimo.
Acabei indo dormir 3h da manhã porque além de tudo isso, a assembleia online de condomínio no Brasil – em que não aprovaram a única melhoria que me interessava – acabou às 3h da manhã daqui.
No dia seguinte acordei meio de ressaca por tudo isso, me perguntando exatamente o título desse texto.
Por que cargas d’água é tão difícil ouvir aquilo que vem de dentro?
Parece que a minha intuição está no meio de um monte de nuvens que a deixam turva, embaçada. Essas nuvens têm formato de orgulho, julgamento, teimosia, medo, vergonha, insegurança...e no final das contas é muito difícil dar os pesos certos para cada uma dessas coisas.
O medo, a vergonha e a insegurança têm seu valor? Sim, eles nos protegem.
A teimosia e o orgulho têm seu valor? De vez em quando eles nos ajudam a seguir em frente.
O julgamento do outro a gente deveria simplesmente jogar fora mesmo.
Mas a intuição tá ali, coitadinha, no meio desses fortes concorrentes, sofrendo para mandar mensagens que ignoramos solenemente. E quando as coisas dão errado, nem sempre lembramos que foi pelo simples fato de que a gente não se ouviu.
Infelizmente esse texto não traz a solução desse problema, mas ele traz luz à questão.
Vou provavelmente passar os próximos dias muito reflexiva sobre tudo isso, mas uma coisa me é certa: eu PRECISO escrever o meu livro, Os Contos de Greenfar. Uma das estruturas principais desse lugar doido que inventei há mais de 15 anos é que lá as pessoas vivem muito mais guiadas pela sua intuição.
E eu vou tentar parar de ignorar a minha. Pelo tempo que eu puder.
👑Enquanto isso no Reino da Dinamarca
Primeiro, deixem que eu peça desculpas pela votação da semana passada: eu não sabia que apenas assinantes podiam votar, achei que era aberto - ótima chance para terem se inscrito, não? 😏
Com isso dito, vamos falar sobre o elefante na sala: MERCADOS NA DINAMARCA.
Você pode achar que o idioma seja a maior barreira para compras tranquilas, mas não é. O Google Tradutor faz um ótimo trabalho lendo embalagens e CASO VOCÊ ENCONTRE O QUE PRECISA, o celular te ajuda a saber que é o produto certo.
Mas isso, Sunshines, não é tarefa fácil.
O problema aqui é outro. Ou melhor, são outros.
Você não encontra tudo em um só lugar
Essa semana temos uma lista com 20 itens. Já fomos a CINCO mercados diferentes. Ainda temos quatro itens pendentes, e eu sei que quiabo eu só acho numa vendinha árabe que não fica perto daqui. Ah! E manteiga sem sal, só havia em um deles, antes que vocês pensem que estamos buscando coisas extravagantes.O conceito de variedade é diferente
Esse é o maior choque para quem vem de fora. Quer um sabonete comum? Talvez exista apenas uma ou duas marcas no mercado. Sabão em pó? Uma só e olhe lá. Parece que existe certo protecionismo em relação a marcas estrangeiras, o que é uma prática bem bacana, se houvesse uma maior quantidade de opções locais. E não tem.
Um causo rápido: fomos em um shopping que tinha um mercado colossal, tipo Walmart dos EUA. Pensei que ali seria o lugar para encontrar de tudo. Pensei errado: eram só mais prateleiras com os mesmos produtos 🤡A variedade está nos preços e não nos produtos
Existe uma certa diferenciação entre mercados mais caros e mais baratos, porém isso nem sempre é verdade. É possível, no mesmo dia, você encontrar o mesmo produto por 18 coroas no mercado barato e 6 coroas no mercado caro. Vá entender.A execução brasileira tá em outro nível
Eu trabalhei em duas empresas de bens de consumo não-duráveis no Brasil e vivia dentro de mercados. Além disso, eu amo ir a um supermercado legal, organizado - é um passeio pra mim. Então imaginem minha estranheza ao entrar em algumas lojas por aqui e perceber que existe pouco ou nenhum planejamento dos corredores? Chá junto do molho de tomate e da pipoca. Até tremeu a pálpebra.
Não acredita em mim? Eu fiquei tão indignada com essa situação que fui pesquisar e encontrei vários sites com a mesma queixa, inclusive esse artigo em inglês de 2 anos atrás (de onde tirei a foto da seção), que resume bem o cenário.
Agora vou encerrar essa edição porque inventei de fazer estrogonofe esse final de semana e a peregrinação para achar um conhaque barato para flambar o frango continua.
Até mais!