“Mestre Zer, por favor, reconsidere minha punição, escolha outra coisa, por favor.” – a súplica de Druck não pareceu amolecer o coração do monge, mas por gentileza ele interrompeu sua caminhada e olhou o semblante assustado do aprendiz a sua frente.
“Quando o senhor me disse que eu precisava treinar com meninas e me deu a dica do grupo de estudo que acontecia discretamente na floresta após o toque de recolher, eu não imaginava quem fazia parte. Eu fui até lá ontem...mas...eu não posso me juntar a elas, Mestre.” – o poço de desespero no olhar do menino só aumentava.
“Halene, Feara e Quel são excelentes aprendizes, cada uma com habilidades extraordinárias, e estão se esforçando bastante para se desenvolver.” – respondeu Mestre Zer com certa diversão no olhar.
“Sim, mestre, mas ELAS ME ODEIAM.” – Druck afundava cada vez mais no beco sem saída em que tinha se metido.
“Druck, meu jovem – a fala de Zer agora assumia um tom de extrema seriedade – sinto informá-lo, mas não são só elas que te odeiam. O número de inimizades e reclamações que você coleciona até o momento é um tema grave e se você deseja continuar seus estudos como espadachim, sua próxima lição é entender que gênero não é uma fraqueza.”
O menino olhou para baixo para disfarçar o misto de vergonha e impotência.
“Isso não é uma lição de afeto ou popularidade. Estamos falando sobre respeito. No juramento que você fez há quase um ano, você se comprometeu com a vida e com o ato de levantar sua arma pelos motivos certos. Sem respeito ao outro, não há como garantir que você terá discernimento como espadachim para empunhar uma espada pelo que é correto.”
As palavras de Mestre Zer pesavam como chumbo sobre o aprendiz derrotado.
“Estamos todos de olho em você, Druck. É sua última chance.” – Zer tinha o dom de colocar o tom certo na hora certa. Ele sabia que o jovem só entenderia o tamanho do problema se fosse confrontado com severidade, mas também sabia que o sentimento de derrota podia ser uma sentença de fracasso. Colocando a mão no ombro do menino, ele completou com gentileza:
“Mas eu acredito em você.” – e com um sorriso contido, o monge continuou sua caminhada pelo pátio, deixando Druck com uma sensação menos amarga na boca.
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“Finalmente você escolheu lâminas curtas para nosso estudo teórico, Hal. Minhas favoritas.” – Feara carregava animada diversas espadas pequenas pela floresta, junto a Halene com seu caderno e alguns livros, e Quel seguia na frente com o lampião, abrindo o caminho pelos arbustos da floresta até a pequena clareira cercada de árvores altas onde costumavam estudar à noite.
“De que adianta serem suas favoritas se você as segura da forma errada? Vamos tentar corrigir isso hoje.” – A animação de Feara subitamente foi embora ao encontrar o sorriso professoral de Halene.
Após caminhar mais alguns minutos, as três chegaram ao grande tronco caído onde apoiavam os materiais e o lampião. A área aberta ao lado era quase do tamanho dos círculos do torneio, o que tornava o local ideal para a prática.
Feara despejou as lâminas no tronco e, cantarolando, começou a analisar com qual começaria. “Um punhal me parece um bom começo, o que acham?” E simulou alguns golpes no ar para testar o peso da arma.
Halene olhou com descrença e foi até a amiga. Segurou seu pulso e ajeitou a posição dos dedos que seguravam o cabo. “Você quer ser uma espadachim ou uma açougueira, Fe?” Quel riu enquanto chutava alguns galhos para fora da clareira e Feara mostrou a língua com deboche.
Assim como na noite anterior, as três ouviram o mesmo farfalhar estranho em um arbusto próximo e ficaram em silêncio, tentando distinguir o que eram sons noturnos de algo diferente.
O barulho se aproximava e Quel recuou para perto das amigas, que já tinham espadas nas mãos. Os batimentos cardíacos do trio estavam altos como um tambor, receando algum animal selvagem que pudesse se comportar de maneira hostil.
Então Druck sai do meio do mato e entra na clareira. Ao perceber as armas em punho, ele prontamente ergueu os braços para mostrar que não carregava nenhuma lâmina. “Calma, calma, sou só eu, o Druck!”
O longo respiro de alívio das amigas foi interrompido por uma Quel inquisidora: “A gente sabe que é você, né? Mas o que você tá fazendo aqui?!”
“Eu...eu...encontrei vocês estudando aqui na floresta na outra noite...e resolvi perguntar se eu posso me juntar a vocês.” – seu tom era quase como se pedisse desculpas.
As três se entreolharam intrigadas e Halene resolveu confirmar se elas haviam entendido a situação corretamente: “Você quer se juntar ao nosso grupo de estudo?!”
“É...depois do último torneio eu recebi alguns exercícios de alguns fundamentos técnicos e acho que vocês poderiam me ajudar...” – Druck coçou a cabeça em uma tentativa de se fazer convincente.
“E seus amigos, porque você não estuda com eles?” – questionou Quel.
Ele não tinha previsto esse questionamento simples, então começou a gaguejar uma resposta, sendo interrompido por Feara irônica: “Ohnnn...ele não pode pedir ajuda para os amiguinhos, gente...vão achar que ele é fraco...e o grande Druck não pode mostrar fraqueza, não é mesmo?”
Era uma péssima desculpa, mas pareceu adequada naquele momento. “Mais ferrado do que eu já estou, eu não fico”, pensou Druck e resolveu assumir a história: “É...eu não queria admitir, mas é isso...”
A história parecia coerente, mas não era muito crível para as meninas, que continuavam se entreolhando com muito estranhamento.
“Deixa a gente discutir isso um pouco.” – e Quel convocou as duas amigas para se juntarem aos cochichos perto do tronco onde estava o lampião.
“Pra mim é não. A não ser que eu possa lutar até ele implorar que eu pare.” – opinou Feara.
“Eu achei tudo isso muito estranho também, mas ter mais gente para estudar pode ser bom...” – ponderou Halene conciliadora.
“Como ele descobriu a gente aqui? E se ele contar pro Zer?” – lançou Quel preocupada.
Muitas perguntas e quase nenhuma resposta. Os minutos de conversa pareciam uma eternidade para Druck, que esperava suando do outro lado da clareira, até que as meninas se voltaram novamente para ele.
“Olha, Druck...não achamos uma boa ideia você se juntar a nós. Já estamos bem estudando em trio e não acho que você precise da gente.” – Halene foi escolhida como porta-voz por ter os ânimos mais serenos do grupo. Feara e Quel continuavam olhando desconfiadas para o menino.
“É sua última chance.” – as palavras de Mestre Zer ecoavam na cabeça do jovem. Não havia plano B e se isso não desse certo, ele certamente seria expulso da vila. Como era possível ele não conseguir entrar em um mísero grupo de estudos?! Ele se sentiu arrependido por deixar as coisas chegarem nesse ponto e resolveu fazer um movimento de desespero.
“Se vocês não me deixarem estudar com vocês, eu conto para o Mestre Zer que vocês estudam escondidas depois do toque de recolher.” – o estômago de Druck bateu no pé enquanto ele proferia essas palavras.
Silêncio.
Quel olhava incrédula para Druck. Ela queria matá-lo, mas uma parte sua se sentiu acuada com a chantagem. Ela se virou para as amigas e, com um olhar conformado, ambas acenaram que ‘sim’ com a cabeça - estava nas mãos de Quel aceitar ou não, a proposta oferecida.
Ela respirou fundo e buscou aquele lugar interno que começava a explorar durante as aulas extras com Mestre Rhano. Havia muitas vozes raivosas bradando contrárias a decisão, mas também vozes culpadas, sofrendo, imaginando cenários horríveis onde ela pedia perdão eternamente para Zer. Calmamente, ela limpou essas vozes e deixou somente aquelas com as quais queria interagir até tomar sua decisão.
Quel olhou com carinho para as amigas e se virou para Druck com frieza: “Nos encontramos três vezes por semana. Uma vez, Halene conduz um estudo mais teórico, onde repassamos conceitos que vimos nas aulas. Na outra vez, eu trago exercícios práticos de técnica e na última, fazemos um treino livre, que Feara conduz para nos sentirmos mais seguras nas situações de luta. Nos encontre aqui, nesse horário, daqui a duas noites. Será o dia da Feara.”
“Vai ser ótimo começarmos com o treino livre.” – bradou Feara. “Além de ver o que você traz pra arena, vai ser ÓTIMO ter a chance de reviver minha vitória contra você, Druckzinho!” – e deu uma gargalhada maldosa sem tirar os olhos do menino que se mantinha imóvel, tentando não demonstrar seu desconforto com a situação.
“Muito obrigado...” – foram as únicas palavras que o jovem conseguiu dizer, antes de adentrar novamente o mato e voltar para a vila, desejando a cada passo que nada disso estivesse acontecendo.
Novos capítulos toda sexta-feira 🌻
Próximo capítulo:
#18 - Tudo doía
Há algum tempo não nos falávamos, não é mesmo? Não gosto de interferir muito durante minha contação de histórias, mas não me contive em fazer um comentário. Um dos momentos mais curiosos para se observar os Unos - ou humanos, como vocês os chamam - é durante seus anos de passagem da vida infantil para a vida adulta. Por volta dos 13 anos, vive-se uma fa…
O que já rolou em Greenfar:
Prólogo: O começo de Greenfar
Capítulo 1: Sozinha na floresta
Capítulo 2: Marcas
Capítulo 3: Zelas
Capítulo 4: Escolhidos?
Capítulo 5: Tempestades
Capítulo 6: Ghraul
Capítulo 7: Ramira
Capítulo 8: Quase 10
Capítulo 9: Que na busca permaneçamos
Capítulo 10: Enfim, lâminas.
Capítulo 11: Espada de honra
Capítulo 12: Pensamentos intrusivos
Capítulo 13: Batalhas dentro e fora
Capítulo 14: Relaxe e lute
Capítulo 15: Estrelas negras
Capítulo 16: Barulhos