A força do bater do coração de Rian parecia estraçalhar seu peito. Seus pensamentos entraram em turbilhão, mas seus movimentos estavam em câmera lenta.
Ele se levantou desajeitado, de um passo à frente e ficou ao lado da cigana que atendia as meninas. As três voltaram o olhar para o homem que olhava fixamente para a pulseira no braço de Quel.
Por um instante, Rian ficou parado com os olhos arregalados, tentando pensar o mais depressa possível sobre o que fazer, enquanto investigava mentalmente o que via à sua frente.
A menina tinha as três marcas em sequência no antebraço direito. A mesma localização anunciada há 12 anos pela figura translúcida. A idade da jovem regulava com o tempo passado e sim, era uma menina! A informação havia escapado com o pânico do encontro na floresta, mas agora parecia clara como o dia:
“Preciso que vocês encontrem uma menina, ela é importante. Tem por volta de três anos, não possui família e se perdeu por essas florestas. Ela possui uma marca na lateral do antebraço direito, três pontos equidistantes como as estrelas da antiga constelação de Osíris.” – a fala de Bedrag ressoou clara e cristalina na cabeça de Rian.
Como se saísse de um transe, a voz da cigana o despertou.
“Viram como essa pulseira é magnífica? Até nosso querido Rian acordou para admirá-la!” - A mulher deu um sorriso forçado para Rian tentando disfarçar sua estranha aproximação sem espantar as clientes.
“Sim! É belíssima de fato!” – Rian precisava entrar na conversa para obter informações. “Posso ver mais de perto?”
Quel e Feara se entreolharam, mais uma vez segurando o riso, completamente alheias ao que passava pela cabeça do rapaz à sua frente. A menina ergueu o pulso para que ele pudesse observar mais de perto.
As marcas eram muito sutis, pequenas cicatrizes redondas equidistantes, um pouco menores que a unha do dedo mindinho, formando uma linha reta até o osso do pulso da menina. O coração de Rian permanecia em um ritmo alucinado.
“Olha só...você tem uma marca igual aquela feita pelos sacerdotes das três estrelas, já foi abençoada por eles?” – ele sabia que a marca feita por seu irmão ficava como uma tatuagem preta, mas ele precisava de toda confirmação possível antes de tomar uma atitude.
“A Quel?!” E olhou para a amiga com o pescoço exageradamente para trás. “Abençoada pelos doidos de branco?!” – perguntou Feara com deboche. A menção aos religiosos fez as meninas soltarem o riso preso e gargalharem, deixando a dupla atrás da bancada da barraca sem entender.
“Não...não...eu nem chegaria perto deles...” – falou Quel entre risadas, sem perceber os olhos de Rian se arregalando com sua resposta.
“Eu acho eles meio fanáticos, já abordaram alguns aprendizes por aqui tentando dar essa benção esquisita deles e já tentaram entrar algumas vezes na vila, mas os monges obviamente não deixaram.” – Quel deu uma cotovelada na amiga, mas seu riso estava frouxo demais para repreendê-la.
“Feara! – e olhou a amiga tentando repreendê-la sem sucesso – “Desculpe se vocês...acreditam nisso...minha amiga, ela...desculpa...” – parar de rir já não era uma opção e ao perceber o que acontecia, Rian se aproveitou.
“Vocês moram em uma vila?” – perguntou inocente.
“Somos aprendizes na vila dos monges espadachins.” – respondeu Feara com um sorriso mais largo do que o necessário e apontou para a espada em sua cintura. “Somos futuras assassinas em treinamento.” – Quel teve que se virar de costas para segurar sua gargalhada ao ouvir a amiga. As palavras de Fordil sobre o futuro dos aprendizes após a formação ainda pareciam uma realidade muito distante.
“Assassinas de ovelhas...” – Quel comentou baixinho arrancando uma risada escandalosa de Feara.
Com medo de perder suas vendas, a cigana interrompeu aquela conversa sem sentido. “Até mesmo assassinas devem estar belas para realizarem seu ofício, não acham, mocinhas?”
“Você está coberta de razão, dona cigana!” – disse a dona da bolsa de moedas convicta, enquanto Quel falava ao mesmo tempo: “...e nós precisamos ir, não é mesmo, Feara?”. Do ponto de vista das amigas, a situação já estava embaraçosa demais.
Quel queria empurrar a amiga para longe quando se lembrou do adereço ainda em seu pulso. A jovem se virou para retirá-la, mas foi interrompida.
“Pode deixar essa pulseira aí, nós vamos levá-la. E esses anéis aqui também.” – e indicou três peças douradas de diferentes formatos em suas mãos.
“Ótimas escolhas! São 8 moedas.” – Feara abriu sua bolsa de forma meio atrapalhada e entregou o valor à cigana.
“Vocês ficam...é...” – Rian tentou estender a conversa, mas Quel já empurrava Feara para longe, rapidamente se misturando em meio à multidão. O pânico ao vê-la se distanciando o fez ir atrás, mas a cigana o segurou pelo braço.
“Ei! Elas são muito novas para você, se controle, Rian.”
E apesar de já ter perdido as duas de vista, ele sabia exatamente o que fazer.
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Novos capítulos todas as sextas-feiras 🌻
Próximo capítulo:
#33 - Reencontro
No final do dia, o trabalho de guardar as quinquilharias restantes das ciganas não foi demorado – o dia havia sido tão produtivo quanto as mulheres haviam previsto e elas queriam comemorar. Imerso em seus próprios pensamentos ao dobrar as últimas lonas, Rian não notou quando uma das mulheres chegou com dois galões de vinho e canções começaram a ser ento…
O que já rolou em Greenfar:
Prólogo: O começo de Greenfar
Capítulo 1: Sozinha na floresta
Capítulo 2: Marcas
Capítulo 3: Zelas
Capítulo 4: Escolhidos?
Capítulo 5: Tempestades
Capítulo 6: Ghraul
Capítulo 7: Ramira
Capítulo 8: Quase 10
Capítulo 9: Que na busca permaneçamos
Capítulo 10: Enfim, lâminas.
Capítulo 11: Espada de honra
Capítulo 12: Pensamentos intrusivos
Capítulo 13: Batalhas dentro e fora
Capítulo 14: Relaxe e lute
Capítulo 15: Estrelas negras
Capítulo 16: Barulhos
Capítulo 17: Golpe baixo
Capítulo 18: Tudo doía
Capítulo 19: Raiva e orgulho
Capítulo 20: Mãozinha
Capítulo 21: Que comecem as celebrações
Capítulo 22: O colar
Capítulo 23: Mentiras
Capítulo 24: Mais decepções
Capítulo 25: Entre lágrimas e golpes
Capítulo 26: Diário de Mestre Rhano
Capítulo 27: Na sarjeta
Capítulo 28: A parte que faltava
Capítulo 29: O lendário de Além-mar
Capítulo 30: Tarefas indesejadas
Capítulo 31: A vida lá fora